Análise 3: Primeira manhã
(Dalcídio Jurandir)
Em “Primeira manhã”, uma longa
descida será acompanhada por Alfredo quase por acaso, ao encontrar, em um
passeio noturno, duas vizinhas que se dirigiam à caça dos maridos, tentando
confirmar traições que eles teriam cometido.
Nesse longo episódio, o que
acontece no decorrer é mais importante do que propriamente o desfecho,
longamente mantido em suspense, retardado por um rememorar entre divertido e
amargo da vida das duas mulheres, especialmente D. Abigail, a mais falante
delas.
Dessa forma, a trajetória em
busca dos maridos traidores também se converte em desabafo com o quase
desconhecido que as acompanha nesse percurso de descida: “À proporção que elas
acusavam, iam se tornando vencidas, sem razão, nem esperança, enlaçadas na
sedução da viagem e do que a noite consentia.
Durante o trajeto, o narrador
menciona, a certa altura, a natureza descendente dessa empresa, associada à
noite, aos ruídos desconhecidos e agourentos, ou seja, ao rumo infernal do
percurso empreendido por esses três solitários: “Na busca do marido, D. Abigail
ia também desesperadamente curiosa dos infernos onde ele fumegava, e das
rivais, não ciumenta, mas invejosa.”
Aí aparece, com toda a
ambivalência, o significado da associação dos prostíbulos a “inferninhos” e se
demonstra que a ida até lá, se é penosa e sofrida para mulheres que se sentem
traídas, também contém certa dose de curiosidade e mistério pelo que o lugar
possa apresentar em sua configuração ou por suas habitantes, especialmente se
são ambientes interditos para mulheres casadas.
Na ocasião, não é de se
estranhar, como faz a amiga Ivânia, que D. Abigail fale demais sobre suas
vidas, pois, nessa descida, também ocorre uma espécie de descenso social, pelo
menos um momentâneo romper de fronteiras, ao abrigo da noite; e as duas
mulheres deixam de ser aquelas que são “casadas da cabeça aos pés”, como
afirmara o narrador anteriormente, e se transformam em pessoas comuns,
desabafando sobre o que se passa na intimidade de suas casas.
No entanto, a cena termina
abruptamente para Alfredo sem que o leitor saiba o desfecho da busca, pois as
duas o deixam para trás sem explicação, deixando entrever que caberia apenas a
elas cumprirem aquela descida até o fim, mais sombria ainda pela associação com
o mundo noturno, povoado de sombras e ruídos sinistros.
Nesse mesmo romance, ainda há a
longa descida da sempre ausente e tão presente Luciana, que tem de cumprir uma
longa e dolorosa via crucis pela suspeita de ter dado “um mau passo”,
significativamente libertada da prisão que os pais lhe impuseram por um raio:
da associação com a intervenção divina para redimi-la da injustiça que se
estava cometendo é um passo.
Se, por um lado, ela só aparece
no romance por meio do discurso dos outros personagens, sua presença está
sempre se renovando graças à obsessão que Alfredo desenvolve por ela, o que o
faz buscá-la em vários lugares da cidade, perguntando a todos que possam dar
alguma informação sobre a moça amaldiçoada pelos pais.
De certa maneira, Alfredo também
a acompanha em sua maldição e descida, pela obsessão e pela busca que realiza
incomodado por ter à sua disposição a casa da qual Luciana fora expulsa, num
paralelo entre a trajetória dessa personagem e a sua própria, humilhado que
fora pelos colegas do Ginásio: Agora, esta casa à disposição do estudante que
fugiu do estudo, à disposição do ginasiano pelo Ginásio escorraçado. Nesta
casa, feita para a predileta vir morar. A anônima corre as ruas da Babilônia,
moendo a sua farinha, passa os rios, não mais a tenra nem a delicada.
A desabençoada nunca há de pôr o
pé neste soalho, nunca há de ver o mundodebruçada desta janela. “Desabençoada”
pelos pais, Luciana perdera o lugar que agora é ocupado por Alfredo e este
junta mais esta obsessão às suas tantas outras buscas.
ELEMENTOS NARRATIVOS DO ROMANCE
PRIMEIRA MANHÃ:
Elaborados pelo
professor Lanirson Cabral da Silva*
Personagens:
Principal:Alfredo
Secundários: Luciana, D. Abigail, Ivânia
Secundários: Luciana, D. Abigail, Ivânia
Tempo: Cronológico ( pós-ciclo da
borracha e da Belle Epóque)
Enredo Linear
Narrador: Onisciente e
onipresente
Espaços:
Físico: Belém-Pará / Social: Valores interioranos, familiares educacionais, morais, sociais, memorialistas e sociais
Físico: Belém-Pará / Social: Valores interioranos, familiares educacionais, morais, sociais, memorialistas e sociais
Tipificação: Oitavo Romance do
Ciclo Extremo Norte
Temática:- Os dissabores diante
da educação e da decadência de uma cidade ( Belém); As expectativas frustradas
de um estudante em primeiro dia de aula; As experiências de um jovem num liceu.
*Lanirson Cabral da Silva é
professor, desde 1981, formado em Licenciatura em letras pela Universidade do
Pará, Pós – graduado em Ensino da Literatura Luso-Brasileira pela Universidade
do estado do Pará (UEPA), com diversos estudos sobre literatura publicados em
revistas e editoriais. Ministrou aulas em várias escolas do Estado e
Particulares, hoje, dedica seus conhecimentos ao Grupo Educacional Ideal, onde
é professor desde 1994. Poeta, escritor e compositor, com várias canções
conhecidas, participações em festivais de música pelo Estado do Pará e fora
dele, seminários, encontros e palestras sobre a arte literária
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